OS CADILLACS
Rio, 28.07.2009 06:00
Desde que nasci havia Cadillac em casa. O primeiro de que me lembro é de um azul claro com teto branco, 1950. Papai deve tê-lo comprado logo no lançamento porque em todas as memórias de quando eu era muito criança ele aparece.
Papai dirigia muito bem. Nas milhares de vezes que passeamos com ele nunca houve um sobressalto, uma freada brusca.
Em Saquarema uma vez ele atolou na areia. O carro era bem pesado e de repente parou...
Em momento algum eu senti que fosse um problema: ele pegou o macaco do carro, levantou a roda, calçou com coisas por baixo e pronto, o carro saiu.
Este local deve ter sido em um clube muito bonito, cheio de casuarinas e com o dono o seu Godofredo sempre solícito. Tenho boas recordações deste lugar.
Pode ser que daí tenha vindo o meu gosto por carros e carros grandes. Meu primeiro carro de verdade foi um Cadillac 1954. Antigo mas perfeito. Fui tendo vários até culminar num lindo 1960 cinza chumbo que tinha sido da embaixada da R.A.U.
Culminou mesmo porque foi exatamente na crise do petróleo que descobri que não é fácil usar normalmente um carro que faz 4 km/l.
Por falar em gostos adquiridos via-Papai, a assinatura dele era linda. Sempre com tinta preta e canetas Parker. Um C com rabinho. Pois a minha assinatura e a da Mary seguiram a dele...
E o meu uso de canetas Parker com tinta preta foi até elas acabarem anos e anos depois...
Voltando aos Cadillacs, tinha uma que irritava Papai.
Eu fazia isto só poucas vezes para ele não desconfiar.
O cenário era a Av. 15 de Novembro em Petrópolis. Ele estacionava o carro do lado direito, podia!, e ia ao D’Ângelo ou à casa Gelli ou sei lá onde. Descobri acidentalmente que se eu pisasse no acelerador alguma vezes o carro custava a pegar. Hoje eu sei que na verdade eu estava afogando o carro, enchendo de gasolina a admissão pelo carburador Rochester de 4 bocas, um monte de gasolina.
Ora, Papai chegava e dava o arranque e nada! O motor era super silencioso de modo que quase não se ouvia. Como os outros irmãos sempre estavam brincando e fazendo barulho no banco de trás, ele dava logo um safanão para eles ficarem quietos e ele poder ouvir o motor...
Por falar em pequenas coisas que o irritavam, uma delas era esbarrar no cabelo dele. Log levantava ambos os braços como que protegendo o cabelo. Aí pegava um pente de osso sempre com ele e consertava. Sempre estava de cabelo arrumado, sempre!
Um quase acidente aconteceu com o Cadillac na frente do prédio que moramos no Jardim Botânico. Rua Abade Ramos 47 apto 201.
Estávamos indo à praia e Papai parou o carro em frente ao prédio para embarcarmos. (Tinha garagem térrea mas não sei porque não fomos por lá.) O carro era automático e tinha duas portas.
O enorme e pesado banco articulava para se entrar atrás.
Eu já estava no carro. Papai tinha deixado o carro em D (Drive, engatado) mantendo o carro parado pelo freio. Quando os irmãos foram entrar no banco de trás e empurraram o banco da frente para passar, o cabo da barraca de praia que estava entre o banco e o chão do carro escapou pera o pedal do acelerador e o carro deu um pulo pra frente, com seu motor V8 forte! A sorte foi que não machucou ninguém e que o próprio pulo pra frente forçou o banco para trás, soltando o acelerador. Ufa!
Mais outra lembrança foi o fato de Papai ter resolvido pintar o carro, anos depois, usando pincel!
Estávamos no Quisissana e ele pintou o carro todo lá. Sei lá como fez porque não ficou horrível mas deve ter dado péssima impressão a quem o visse de perto...
Naquele ocasião fiz mais uma estripulia. Com uma mangueira d’água fiquei enchendo o cano de escapamento com ela para ver o que ia acontecer... Ainda bem que carro tinha aquele motor enorme e dois silenciosos diferentes, porque se a água tivesse chegado aos pistões, o carro, ao ligar, partiria o bloco do motor!