MINISTÉRIO DA AERONÁUTICA

São Paulo, 28.07.2009 12:00

Por ser o mais velho, fui o primeiro a ficar com ele no trabalho.

Como a casa estava ficando cheia de irmãos, para ajudar a Mamãe, ele levava um de nós para o Maer, 3 DEng 4., que era onde ele trabalhava. O edifício é o mesmo de hoje, na Av. Marechal Câmara. Desde aquela época ele, civil, só usava o elevador de oficiais de patentes superiores. Ele nunca gostava de se enquadrar no comum dos mortais e sempre tinha uma atitude altaneira...

Desde que me lembro ele usava o distintivo da asa dourada na lapela.

E lá ia eu com ele, dezenas de vezes, ficar horas naquela sala.

Provavelmente era dia em que no Colégio não tinha aula, porque a gente nunca faltava.

A mesa do Papai era grande, ele era o chefe da seção.

Papai era engenheiro civil e sua função lá era o controle dos aeroportos no Brasil. Plantas, limites, minutas, laudos. Não tinha nada a ver com a construção física das pístas mas os aeroportos como um todos.

O chefe dela era o Muniz. Distinto.

Lá tinha o Francisco, desenhista dele, com aquela pracheta enorme dos desenhistas, ótima pessoa, magrinho, sempre de roupa clara e gravata. Todos estavam de gravata.

Quando eu chegava me paparicavam, porque havia muitos outros funcionários. Mas depois eu ficava lá por mim. Não gostava de incomodar.

Achei um tesouro que, inclusive me estimulou a ler espanhol e inglês desde cedo. Talvez eu tivesse cinco ou seis anos na época.

Era um armário embaixo da janela.

Esta janela era espetacular. Dava para o Santos Dumont e boa parte do tempo eu via aviões pousando. Aviões a pistão como os DC-3, Curtiss Commander C-46. Não havia aquele prédio da Ordem dos Advogados. Eu me lembro de ver quase toda a pista. Com certeza eu via a torre e umas luzes verde e branco em rotação constante.

Mas embaixo daquela janela tinha um armário de ponta a ponta cheia de folhetos de propaganda e especificações.

Papai me deixava mexer em tudo e de vez em quando ia perguntar o que eu tinha visto de interessante.

Infinitas máquinas, tratores, processos, peças. Tudo aquilo lido e visto. Como muitos estavam em espanhol e inglês, logo logo fui sabendo o nome de coisas principais. Uma que até hoje ficou foi o hormigón armado... Concreto armado....

Quando ele viu este meu interesse, mais uma ajudazinha dele. Perguntou se eu queira assinar a revista Mecanica Popular! Claro que sim, eu disse. Ele sabia que a revista na época era em espanhol, mas que não faria diferença porque eu ia ler assim mesmo... E mais palavras vieram tais como disbujar... desenhar... e assim vai. E assim foi.

 

                     PAPAI CARLOS

 

 

PERFIL DELE

São Paulo, 28.07.2009 12:40

Papai sempre foi muito elegante. Mesmo em casa.

Sem camisa só se fosse na beira da piscina. Sempre de sapatos e meias, com camisa fechada até em cima.

Mais tarde passou a usar um bonezinho marrom claro com o distintivo da Aeronáutica.

Ele usava pijama e roupão. Mas não era roupão, era "robe de chambre" e era de seda.

Mesmo com a família muito numerosa ele mantia esta atitude. Não sei depois de 65 quando saí de casa e na altura já éramos 8, porque o Pilvas já tinha nascido, ele mudou muito.

O bigodinho sempre perfeito e bem aparado.

Os cabelos sempre penteados, junto à cabeça. Com Gumex. Os fios eram finos de modo que ficavam bem o dia inteiro. Só não gostava que tocassem na cabeça dele.

Mais tarde os sapatos não eram tão "elegantes" ... Devia ser a despesa que dávamos. Incrível, sustentar os oito, nos colocar em bons colégios! Ele e Mamãe: heróis!

Mas os sapatos passaram a ser Vulcabrás. E ele os adorava. Não sei se pela sola de borracha, mas algum conforto devia ter.

Ele sempre se mostrava seguro, em todas as situações.

Uma vez na Alexandre Ferreira um vizinho telefonou e disse que havia um ladrão por ali.

Era noite. Só havia casas. A cena que me lembro foi a de Papai com um revólver na mão, subindo o telhadinho da parte de trás da casa (em cima do tanque, de onde o Jororô caiu).

Subiu e examinou tudo. O ladrão deve ter fugido, mas Papai era corajoso.

Papai raríssimamente deu sinais de preocupação com alguma coisa ou consigo mesmo.

A única vez que me lembro foi quando ele foi fazer uma cirurgia na garganta, nódulos nas cordas vocais?

Aí na noite da véspera ele ficou inquieto, perdeu o sono e ficou vagando pela casa.

O dia em que mais senti o olhar do Papai foi quando ele começou a ficar doente. Era o Carnaval de um ano e por sorte eu não tinha cursos nem estava fora do Rio.

A Alda tinha ido socorrê-lo e se constatou que agora ele ia ter de depender dos outros para tudo, inclusive para tomar banho.

Fui eu a primeira pessoa que o levou para usar o banheiro e depois tomar banho.

Ele nunca tinha fica nu na nossa frente. A intimidade dele era dele e perdê-la não era fácil.

Ele olhou demoradamente para mim como dizendo "vamos lá! sei que agora as coisas não vão mais ficar boas!" e pude tirar as roupas dele. Sempre dono de si agora estava na mão dos outros.

Creio que ele valorizou ter sido eu o primeiro a cuidar dele sob este ponto de vista.

Mas depois se acostumou com a situação e continuou dono do pedaço, com sua escrivaninha arrumada à sua moda, com suas idas ao banco correndo os riscos que a idade e Parkinson traziam... Até o fim tinha tudo anotado em pastas, mesmo com a letra não ajudando mais.

Gostava de dançar. Sempre que podia dançava, em passeios. E todas que dançavam com ele elogiavam o "pé de valsa" dele.

Os jogos que curtia eram xadrez e bridge. Tentou que eu me interessasse por bridge, mas não.

Tinha até um painel americano chamado de " autobridge" cheio de janelinhas e várias folhas com infinitos jogos. Mesmo assim não aprendi.

Adorava andar a cavalo. O último de que me lembro era o Tesouro.

Mas sempre gostou dos equinos. Foi sócio da Hípica e de vez em quando montava aqueles grandes cavalos de lá. Tinha roupa de montaria, chicotinho, tudo como "manda o figurino".

No Ministério sempre ia elegante e sempre com uma pasta. Herdei isto dele por muitos anos.

Sempre usava lenço de tecido.

A assinatura e a letra (como a da Mamãe) era linda. Sempre em tinta preta, tinta Quink, caneta Parker. Mary e eu tivemos nossas assinaturas baseadas na dele. O " C" era inconfundível, com o rabinho embaixo à esquerda.

Quando nós íamos com ele visitar alguém, ele demorava pouco. De repente queria ir embora.

Pelo menos eu peguei esta mania.

Me lembro bem disto nas visitas que fazíamos ao Tio Paiva e à Tia Yone em Petrópolis. Estávamos no Quisissana sem fazer nada e não tinha nenhum compromisso na volta...

Eu gostava de estar lá de brincar com o Vítor e com a Regina. Eram meus primos mais queridos.

O próprio Tio Paiva sempre se interessou pelo que fazíamos e tinha sugestões a dar. Quando soube que fazíamos tijolos de barro no Quisissana idealizou uma forma para fazermos mais tijolos e melhores.

Mesmo assim, de repente, a gente tinha de ir embora. Tia Yone tinha algum apelido para ele, sei lá, " rapidinho"...

 

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