O VOCABULÁRIO DELE
São Paulo, 28.07.2009 14:00
Este trecho com certeza vai ser complementado em outras
ocasiões, na medida em que me lembre ou que Mamãe, meus irmãos ou a Aninha
ajudem. Aninha lembrou de várias expressões dele...
É que ele tinha certas expressões que eram dele. Quase
ninguém mais eu ouvia falando assim...
Bom, pra começar, falava Português muito bem. E escrevia
muito bem também.
Uma das coisas que nem ele falava nem Mamãe era palavrão.
NUNCA ouvi um palavrão deles.
Trago isto comigo, porque mesmo quando eu estou zangado eu
posso falar o que for, menos palavrão. Porque aprendi assim. Se a gente
falasse um palavrão que ouviu na escola: perigo de uma pequena surra. Me
lembro que alguém disse um palavrão a um copeiro chamado Nilton. Era de
tarde. Papai não estava em casa. Mamãe então disse que quando Papai chegasse
ia contar a ele para as devidas providências. A vergonha já começava aí. Às
vezes ele dava umas palmadas no bumbum usando um chinelo acolchoado. E a
gente chorava... de vergonha! Em outras vezes o castigo era no outro lado:
pimenta malagueta na boca!
Também com ele aprendi a não torcer exaltadamente por
nenhum time de futebol. De fato até hoje acho meio estranho ficar exaltado,
gastando energia e discutindo veementemente por uma dúzia de sujeitos
correndo e chutando uma bola, cujo resultado tem um teor extremamente
aleatório, dada a configuração móvel do campo, da bola, de tudo.
Ficando nesta área popular, também não tivemos o costume
de cerveja em casa.
Voltando ao assunto principal, o único erro de Português que me lembro era de dizer semí,
com a acentuação caindo no "i".
Tio Jorge também dizia assim. Ficava meio contraditório
quando eles se referiam a alguém "semí-analfabeto"!
Quando ele não ligava para alguma coisa, ele não dava nem
pelota.
Quando a gente comia com má educação, estávamos comendo
como labregos.
Muito longe era longe como a Sé de Braga.
Quando ele ia embora, ou um de nós, ele dizia "hasta", de
hasta luego.
Qualquer homem que fosse mais novo que ele, ele chamava de
um "rapaz moço".
Se a gente fizesse alguma bobagem ele dizia que estávamos
iguais a um "tapiocano".
Nos engrandecer era "paparicar".
Se tudo estava como devia ser, "estava como o figurino".
Se estivéssemos com pouca roupa para a temperatura
ambiente, estávamos "à frescata" (Toninho, 01.2013)
PAPAI CARLOS
MATEMÁTICO SEMPRE
São Paulo, 28 de julho de 2009
A cabeça do Papai era muito lógica.
Sei disto desde os primeiros anos, quando ele sempre
queria que eu saísse bem em Matemática. Mamãe ensinava as outras matérias,
mas em Aritmética (nos primeiros anos) era com ele...
Acabei sabendo muito mais Aritmética por um mero acaso...
o mesmo que me fez jamais querer fumar.
Quando ele me ensinava, ele ficava com o cigarro na mão,
aceso, sem que ele fumasse. Aquela fumacinha ia para mim não importa o lado
que eu estivesse. Ele não notava nada, absorto nos problemas a resolver!
Aquilo era tão incômodo porque eu nem conseguia respirar
direito ou meus olhos ficavam cheios dágua. Portanto eu tinha de resolver os
problemas certo e sozinho, senão... fumaça em cima!
Mas eu gostava que ele me ensinasse e várias vezes tolerei
o cigarro aó para que ele visse que eu estava indo bem...
As mesadas que a gente ganhava eram irrisórias.
Tudo calculado: o ônibus e o lanche no Santo Inácio
multiplicado pelos dias úteis do mes. E pronto.
Tanto é que até o final do curso secundário eu muitas
vezes ia a pé de casa para o Santo Inácio ou vice-versa para economizar a
passagem do lotação ou do bonde.
Houve vários Natais em que o "Papai Noel" comprava os
presentes de acordo com uma tabela:
Passou de ano de primeira, ganha x.
Passou de ano, ganha y.
Tirou média maior que 7, mais z.
Fazia aniversário (Jororô), já somava mais um pouco.
Assim tudo ficava justo.
Até quando ele se foi gostava de fazer os cálculos do
Imposto de Renda para os imóveis complicados. Nunca deu problema.
Anotava tudo, inclusive os vôos que tinha feito, com
prefixo do avião o que mais interessasse a ele.
Numa época ele se dedicou ao início da informática. Ele
estava na Escoa Superior de Guerra e começou a mexer com o programa Fortran,
ideal para fórmulas. Trazia para casa vários exercícios e os cartões
perfurados da época. Analisava aquilo tudo e não descansava enquanto não
descobria o erro do programa.
Na minha opinião foi por causa do mal de Parkinson que ele
não quis se dedicar aos microcomputadores. O mouse ia complicar as coisas e
a doença era ainda iniciante mas ele devia estar sentindo alguma limitação
para movimentos mais precisos. Mas cabeça ele tinha!
Sempre era ele quem dirigia, gostava muito. Quando mais
velho começou a fazer barbeiragens por distração. O Parkinson aumentou e a
nossa sorte foi que o Detran cassou a carteira dele. Ele deve ter sentido
muitíssimo embora o único trajeto que ele realizava na época era de cada
para a igreja Santa Margarida Maria. Ainda tentou envolver o Joe e conseguir
a carteira à força. Mas não conseguiu para nossa tranquilidade.
Quis logo vender o carro dele para sumir com a ideia. Era
um Monza 95, última série, "tubarão". Estava com baixíssima quilometragem.
Estava na Urca. Vieram vários sujeitos e não davam nem o preço de "4 Rodas".
Resolvi comprar para mim pagando bem mais do que a tabela.
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