ITAICI
São Paulo, 31 de julho de 2009, dia de Santo Inácio de
Loyola
Para mim, uma das épocas onde tive aquela presença
paterna de maneira inconfundível e até inesperada foi depois que eu entrei
para o noviciado jesuíta.
Afinal eu deixei a família e fui seguir minha vocação.
Naquela época a Igreja ainda era muito fechada, estava
abrindo, mas principalmente no noviciado os horários eram rígidos e a
disciplina severa. Disciplina que nós mesmos nos impúnhamos. Não tinha
ninguém fiscalizando porque ali cada um era responsável por si.
Para ter uma idéia, acordávamos às 5:30 da manhã e as
luzes se apagavam às 22:00 da noite.
Cada noviço tinha um cubículo, quarto pequeno no qual
cabia uma cama, uma mesinha e um genuflexório. Não tinha porta, tinha
cortina. E as paredes não iam até o teto. Todos tinham de respeitar o
silêncio de todos. Também não era em qualquer hora que se podia conversar.
Só em uns ttrês ou quatro momentos, principalmente depois das refeições.
Nunca durante, porque nestas horas eram lidos livros religiosos
interessantes ou trechos comentados das Escrituras.
Estou contando tudo isto não é para falar de mim, mas sim
do Papai.
Porque eu nunca ia imaginar que ele ia fazer de tudo para
ficar comigo em vários momentos!
Primeiro conseguiu na Aeronáutica fiscalizar as obras do
aeroporto de Viracopos. Com isto justificava sua vinda à região. Viracopos
estava a quinze minutos de carro de Vila Kostka, que era o nome do enorme
prédio dos jesuítas,
O que eu vou tentar explicar aqui é que o ambiente era
restrito, todas as regras para que a gente pudesse refletir e rezar. Papai
chega e já na primeira vez cativou o Mestre dos Noviços (meu superior)
talvez porque não chegou um pai visivelmente saudoso, emotivo e podendo
abalar a permanência do filho - que era eu!
Não, chegou o Papai de sempre, conversando de tudo e não
demonstrando maiores emoções. Ms só o fato de ele estar lá já dizia tudo.
Conseguiu coisas inéditas na época: pernoitar por várias
vezes lá, almoçar ou jantar comigo num refeitório menor que às vezes só era
aberto para nós. Com isto eu podia sentir muito da família e ter a presença
dele que depois de meses de separação era incrível para mim!
Sempre naquele estilo dele um dia me leva a Viracopos
para ver as obras e conhecer os colegas dele.
Quando ele me propos isto eu disse que nem pensar porque
os noviços teoricamente não deviam sair de Itaici excetuando-se apenas para
dar aulas em Indaiatuba ou em alguma emergência. O que eu disse a ele foi
que eu nem ia pedir isto ao Padre Mestre.
Não fez a menor diferença... Ele já foi dizendo ao Pe.
Burnier que eu dar um pulinho lá em Viracopos. Tào integrado ele estava que
o Pe. Mestre nem se surpreendeu!
Tudo no meu primeiro ano de noviciado. No segundo houve
algumas facilidades porque era o tempo do Concílio Vaticano II. O Pe. Mestre
mudou e veio o Pe. Pereira.
Aí eu tive mais facilidade de sair, e inclusive visitei
várias vezes, de batina e tudo, o Tio Zéca e a Tia Yara, de quem sempre
gostei muito.
Ainda uma do Papai. Ele vendo que as nossas calças nem
sempre eram de tecido bom (na verdade no frio era horrível) me perguntou se
eu aceitaria duas calças que ele ia mandar fazer no alfaiate dele. Eu disse
que sim, mas que eu as entregaria ao Mestre. Ele daria para quem quisessse...
Papai sabia que o Mestre ia deixá-las comigo!
Que visitas reconfortantes!
Mas a Mamãe não poderia ir nem que quisesse porque lá era
clausura, isto é, menina não entra. Só pode ficar na recepção.
O fato é que ele conseguiu quebrar quase todas as regras
numa boa, porque eu podia ficar com ele até a hora de dormir e acompanhá-lo
desde cedo. Fui duas vezes a Viracopos, conheci um Sr. Taco (como é que
alguns nomes ficam!). Papai chegava e era levado de uma caminhonete novinha
das obras de Viracopos...
Na despedida um abraço apertado mas nada de emotivo.
Papai nunca demonstrava o que sentia. Até porque ele sabia que ia voltar
novamente. Ele gostava muito de ir lá!
PAPAI CARLOS
BRINCANDO CONOSCO
São Paulo, 1º de agosto de 2009
Procurando lembrar se Papai se divertia conosco ou
brincava conosco me deparei com muitas cenas de infância onde ele estava
presente.
Inicio falando de um brinquedo sério, se é que se pode
chamar assim. Ele sempre comprou e nos estimulou a ler bons livros. Uma
série cujo nome não me lemrbo eram as aventuras de um menino (ou uma dupla
de meninos) que viajavam e resolviam as coisas. "Dois Garotos em Férias"? Só
sei que eram vários livros...
Nos comprou vários livros de
Malba Tahan. E uma coleção absolutamente preciosa: Tesouro da Juventude. Com
certeza moldamos nosso caráter com este tipo de leitura.
Claro que também
tinham os gibis. Eu gostava muito do Mandrake. E todos colecionávamos álbuns
de figurinhas que queríamos completar. Entre nós e com amigos da rua
batíamos o "poc poc" que consistia em por as figurinhas de cabeça para baixo,
empilhadas, e bater com a mão em forma de concha. As figurinhas que virassem
para cima eram de quem bateu. E para comprar os envelopes com figurinhas no
jornaleiro ou Papai comprava ou a gente comprava após a visita do Tio Jorge
que sempre deixava "a massaroca" ou "massareucas". Que era dinheiro que
deixava para ser dividido conosco...
Nós tínhamos bons brinquedos. Cada um tinha a sua
bicicleta... Antes delas tivemos uns triciclos engraçados que não vejo mais
por aí. Mario e eu tinhamos um destes. Não era um velocípede, porque também
tivemos toda sorte de veículos de criança, na época todos eram de lata,
pesados.
Mas os triciclos eram com rodas de bicicleta, as três
rodas igualmente grandes, aros de 16 polegadas?, tinham um porta objeto
atrás do banco. E corriam demais. A rua Abade Ramos é inclinada e a gente
vivia correndo ladeira abaixo. Numa destas eu bati em qualquer coisa e
capotei de frente. Que susto!
Papai deixava a gente fazer estas coisas. Muitas vezes
ficava por perto lendo o jornal. Até nos deixava subir no morro do
Corcovado, que começava no final da Abade Ramos e a gente ia longe!
Os brinquedos sofisticados tivemos na volta da viagem
dele e da Mamãe aos Estados Unidos. Viagem devidamente filmada em 8mm e
disponível na internet por iniciativa do Pilvas.
Ainda bem que foram e voltaram de navio, porque a bagagem
de volta devia pesar muito.
Nos trouxe um brinquedo chamado Meccano e que consistia
em centenas de pecinhas de metal coloridas, chapinhas furadas verdes, placas
vermelhas, roldanas, parafusinhos e porcas dourados, eixos e rodinhas. Muito
bem feito, sólido, nos permitia montar coisas: guindastes, carros ou o que a
imaginação quisesse. Pode ser daí também que muitos de nós passaram a ter
habilidade manual para consertar as coisas. Ele ficava vendo e a gente ia
mostrar para ele e para Mamãe nossas máquinas.
O trem Lionel era um brinquedo em outro nível.
Tínhamos um conjunto enorme de trilhos, desvios, trens.
Com este brinquedo, sim, Papai brincava horas conosco.
Desde a montagem dos trilhos, o projeto da linha até ficar controlando as
várias composições transitando. Um senhor brinquedo. Era grande e quando a
gente brincava ocupava o chão de um quarto inteiro na Abade Ramos.
Tanto ele gostava que quando fomos passar as férias em
Petrópolis ele levou aquilo tudo e mandou fazer uma prancha de madeira
pintada de verde e com os trilhos montados lá para facilitar o brinquedo.
Mas ainda tinha muito trilho avulso para brincar sem a prancha.
O trenzinho era lindo. Muitas vezes para brincar, Papai
apagava as luzes porque tudo era iluminado. Os desvios, controlados
remotamente, tinham luzes vivas verdes e vermelhas. Os vagons se iluminavam
dentro e as locomotivas acendiam o farol. Havia locomotivas "a diesel" - a
Santa Fé, com três peças e a Union Pacific, cinza, pequenina, com duas
máquinas que eram as que mais corriam. Tínhamos duas locomotivas pretas "a
vapor"e uma grandona e pesada. Todas faziam fumaça desde que Papai
introduzisse na chaminé delas uns comprimidinhos brancos.
Estas locomotivas tinham o carro de carvão que imitava o
apito.
A curiosidade é que descobrimos que o Pedrinho detestava
o barulho daquele apito! E vivíamos apitando e o Pedrinho ficando enjoado.
Tadinho dele.
Também gostava de nos mostrar fotos TRIDIMENSIONAIS! Ele
tinha comprado um visor chamado "View Master" onde ele colocava discos
contendo vários slidezinhos e a gente via cenas dos países e paisagens em 3D
colorido!
Ele tirava muitas fotos. Muitos slides. A primeira câmera
dele que me lembro se chamava Leica. Depois teve Pentax e até Nikon. Também
trouxe dos EUA uma caixinha cinza, metálica, forrada de feltro vermelho, com
centenas de espaços para guardar os slides e num canto tinha uma peça
quadrada onde se punham os slides em cima. Embaixo tinha um vidro leitoso e
uma luzinha. De modo que ele ligava aquilo e a gente ia vendo os slides.
O View Master e esta caxinha foram furtadas de casa, já
naquela época, por algum vagabundo que invadiu nossa casa e roubou outras
coisas que não sei mais o que foi. Durante nossa estada em Petrópolis....
Mas nossa memória fotográfica infantil foi quase toda com este idiota.
As fotos dele também nos marcaram. No site genealógico
GENI estão muitas fotos dele. Mas tem uma em especial que nos deve ter
orgulhado muito. Na praça em frente ao MIT em Massachusetts, praça coberta
de neve, e Papai lá numa pose cheia de orgulho!
A verdade é que todos os irmãos que puseram o pé naquela
cidade, procuraram tiram uma foto absolutamente igual à dele. Sem querer
criar polêmica, ma minha foi a mais parecida com a original, cuidadosamente
ensaiada pela Aninha. A sorte foi que eu estava lá quando teve neve e abriu
o sol. Mas o resto, o detalhe da luva numa das mãos e até da sombra, foi
nossa técnica! E olha que fazia um frio danado... mesmo assim demoramos um
tempo!
Aos sábados e domingos saíamos de carro.
Um dos programas dominicais era ver matinée do Tom &
Jerry num cinema em Copacabana. Aliás Tio Batista nos levava inúmeras vezes
ao cinema e à praia quando ficávamos com ele e com a Vovó Carlotinha no
apartamento deles na rua Maria Quitéria.
Depois da matinée ou de algum filme do Gordo e o Magro à
tarde, um dos lugares preferidos dele era o Bob’s da rua Djalma Freitas em
Copacabana. Loja limpíssima com parede de azulejos vede claros e serventes
brancos e de uniforme impecável.
Papai gostava de "butterscotch" e nós também, incluindo o
sorvete de Pistache e o "hot fudge".
Também me lembro que a gente ia pescar. De vez em quando.
No Iate Clube. Cada um tinha o seu caniço e era emocionante, uma vez ou
outra, pegar um peixinho. E vez ou outra espetar o dedo no anzol. Ele ficava
conosco horas... Mas as expedições de pesca eram precedidas de uma
sensacional ida à Sears na Praia de Botafogo. Ele subia com o Cadillac a
rampa que dava na rua de trás e já entrávamos pelo segundo andar da loja.
Que era o andar que ele e nós gostávamos: ferramentas e material esportivo.
Bem me lembro de escolhermos os caniços de bambu desmontáveis. No encaixe
eles eram coloridos e muito bem acabados. Cada um escolhia a sua cor e o
tamanho. Alguns tinham três encaixes e ficavam enormes.
Também vendiam chumbinho e alvos impressos para a
espingarda de ar-comprimido. Papai era bom de mira e várias vezes fazíamos
torneios de tiro-ao-alvo.
A Sears tinha tudo isso e neste mesmo andar uma
lanchonete aonde ele nos levava para ótimos lanches tais como sanduíche de
pão de forma com queijo (derretido como o do Bob's e presunto).
Passeios de carro eram aos fins de semana, quando ele nos
levava para a região dos Lagos. Devemos ter tido algum terreno em Cabo Frio
porque íamos lá muito. Depois em Araruama, que curtíamos mais porque
podíamos ficar naquela laguna sem o risco de afogar... Muitas vezes em
Saquarema onde pernoitávamos no hotel do Sr. Godofredo já citado antes.
Passeios de trem, muitos, Desde usar o trem de subúrbio e
ir a Paracambi ou Engenheiro Passos, os melhores eram de trem de aço da
Central do Brasil. Um passeio que eu lembro muito foi a Engenheiro Passos.
Quando íamos de trem de aço e gente até comia alguma coisa no vagão (que ele
falava "vagon") restaurante. Muito legal!
TV a gente via, mas não muito. Alguns programas de
domingo todos víamos juntos. A família estava reunida quando veio o primeiro
seriado em horário nobre; Bat Masterson. Programa brasileiro eram os
Espetáculos Tonelux. Lembrar que na época havia apenas um canal de TV e em
preto e branco. A nossa TV era uma RCA, num móvel marrom com perninhas. Que
subia para Petrópolis e depois descia. E em Petrópolis Papai passava mais
tempo ajustando a antena em cima do telhado e ajustando a TV depois que
descia do telhado. Cada vez que passava um caminhão na estrada a imagem
rolava no vertical ou embaralhava. Ele levantava e ajustava de novo...
Era muito divertido!
Em Petrópolis, no Quisissana, ele nos deixava brincar e
ficava lendo o jornal.
Imagino se hoje nós deixaríamos os filhos fazerem o que
fazíamos. Ele e Mamãe deixavam.
Por exemplo era comum subirmos nas árvores. Ciprestes
tinham nossa constante visita. E a gente subia alto e ficava lá em cima um
tempão.
Na Páscoa ele e Mamãe escondiam dezenas de ovinhos de
chocolate ( e uns de açúcar) pelo quintal. Mais tarde a gente saía feito
louco para achar o que o coelhinho da Páscoa tinha deixado.
Uma demonstração de como ele gostava da gente é que ele
comprou uma fantasia de Papai Noel, com máscara, saco e tudo e no Natal, em
Petrópolis, o Papai Noel aparecia na noite de 24 e trazia os presentes que
só seriam abertos no 25. Por vários anos acreditávamos que era Papai Noel de
verdade. Não uníamos a presença dele à ausência do Papai.
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